Nunca escrevi um diário, bem já
escrevi algumas coisas, mas a consistência dessas coisas não expressavam
sentimentos, fatos importantes, impressões. Quando lemos um livro que gostamos,
não lembramos de todos os detalhes, das frases ditas pelos personagens, mas é
possível voltar naquelas páginas e encontrar o que nos tocou, o que gostaríamos
de memorizar ou mesmo destacar em um pequeno pedaço de papel. Um diário seria
mais ou menos a mesma coisa, talvez um pouco diferente, só que estaria escrito
fragmentos, idéias, pensamentos que flutuam pelo nosso cérebro para longe, mas
com o tempo estão meio perdidos com tantas responsabilidades, compromissos,
outras emoções. Como iria lembrar daqui a dez anos da sensação de um abraço em
meio ao som dos trilhos do metrô refletindo distância tão literalmente
quanto de forma imaterial, um adeus coincidente, perfeito com a situação; ou a
expressão natural de tristeza das pessoas em um velório em que você brinca ao
redor do caixão sem entender bem o que estava acontecendo, pois tudo ainda era
tão novo e mundo estava tão acima; da saudade, Deus meu, que sensação, o som do
vento, a tonalidade das tardes, o modo como a chuva caía, o formato do sorriso, os
telefonemas, os cafés, encontrar a casa vazia, escutar a voz de alguém especial
quando ainda nem havia acordado, as surpresas, convites, a maresia, cartas,
cartões postais, as ruas, a solidão. Essas coisas pequenas são perpétuas. Muitas vezes tenho a sensação que tudo o que gosto, o que faz parte da minha
identidade, jamais verei de novo, de forma que eu possa dar mais valor as
pessoas. O vazio é tão grande, e você pensa no que fez, no que não fez, e o quanto
isso irá lhe acompanhar pela vida inteira; às vezes isso me sufoca. Se estivesse
conversando com um analista eu diria que o meu maior medo é da perda e da
consciência dela, porque a partir do momento que eu pensasse que eu não poderia
fazer absolutamente mais nada, isso iria me arruinar de tal forma como uma
casa destruída; aqueles blocos sólidos em total desarmonia em que você olha e só
pensa em tirar aquela coisa imperfeita, confusa dali. Vivo em um momento de desconstrução,
talvez meu maior medo não seja da morte e toda essa coisa seja uma forma de
exteriorizar as impressões que possuo; estou submersa em muitas possibilidades
que se misturam a liberdade, vícios de emoções e pensamentos, desde pessimismo,
esperança, desatenção, desejo, desapontamento, falta de interesse, devaneios,
cansaço, cansaço, cansaço, cansaço. Há tantas coisas que me motivam a viver e coisas
que em momentos desatentos me fazem mal,
e isso é tão forte quanto as coisas que podem lhe trazer mais significados. E
esse é o problema, procuro significado desde o pão que compro até na escolha do
meu sabonete, como se alguém estivesse interessado no modo em como eu não
coloco açúcar no café, ou quando eu me sinto absurdamente feliz quando um livro
está escritos coisas que eu sinto, mas daquela forma estranha, difícil de
entender a primeira lida, mas está lá, sensível, pontual, incrível, temos em nossas
almas a mesma impressão, ou enquanto escuto Nina Simone desarmonicamente com
tudo isso.