segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

La vida es tediosa pero tiene su gracia

Todos os meus trabalhos foram em grande parte tediosos, eu mesma me intitulo a rainha do tédio por isso. Meu primeiro emprego foi meio período em um museu quando estava no ensino médio, aos domingos chegava a pensar que a cidade inteira tinha morrido e só havia restado eu. Me sobrava muito tempo pra ler, então eu lia os guias turísticos, tentei aprender algumas palavras en español e assim tentava sobreviver ao tédio. Depois virei funcionária pública, só que até chegar a minha rotina tediosa eu passei alguns perrengues (muitos ônibus, chuva, acidentes, medo, insegurança), mas  no trabalho era a mesma coisa, sem muitas surpresas, assim consegui fazer duas faculdades. Muitos me diziam que era uma maravilha não ter muito o que fazer, eu me sentia uma completa inútil como eu me sinto agora. Nesses momentos ociosos no trabalho apesar do meu esforço tentando encontrar algo o que fazer, eu conheci muita música boa, li bastante coisa, baixei muitos filmes e a maior parte do que eu escrevo no blog foram no período do trabalho. Esse ano se não fosse o yoga, o flamenco, o espanhol e o inglês não sei se aguentaria todos os dias "trabalhando" 40 horas por semana. Tenho meditado muito pouco, mas mereço um pouco de consideração por esse silêncio tortuoso que tenho passado, além das rotineiras humilhações e das conversas medíocres que acabo ouvindo. Graças a esse trabalho paguei muita coisa que me faz bem e fiz alguns cursos. Mas continuo o mesma pessoa inconstante de sempre, que tenta cada vez mais abandonar a passividade da personalidade e selecionar o que realmente lhe acrescenta alguma coisa na vida; não quero ser de modo algum mal agradecida, respeito as pessoas da maneira que são, mas ouvi muito lixo esse ano, recebi muita energia ruim e aprendi com isso. Se não fosse as pessoas incríveis que eu conheci que muito me inspiraram, já havia desistido muito tempo.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

I could just pretend that you love me
The night would lose all sense of fear
but why do I need you to love me
when you can't hold what I hold dear...




quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cerrar los Ojos

Cerremos estes ojos para entrar al misterio
el que acude con gozos y desdichas
así / en esta noche provocada
crearemos por fin nuestras proprias estrellas
y nuestra hermosa colección de sueños
el pobre mundo seguirá rodando
lejos de nuestros párpados caídos
habrá hurtos abusos fechorías
o sea el espantoso ritmo de las cosas
allá en la calle seguirán los mismos
escaparates de las tentaciones
ah pero nuestros ojos tapados piensan sienten
lo que no pensaron ni sientiron antes
si pasado mañana los abrimos
el corazón acaso de encabrite
así hasta que los párpados
se nos caigan de nuevo
y volvamos al pacto de lo oscuro

Mario Benedetti

segunda-feira, 28 de outubro de 2013


Não sei se há mais maneiras de se ter esperança que a paciência, talvez o esquecimento. Tenho dito pra mim mesma que o otimista só sofre uma vez. Mas hoje eu lembrei de muita coisa e tive vontade de desistir. Paciência ou esquecimento podem resolver esse caso. 


 Laguna - SC



quarta-feira, 23 de outubro de 2013




"(...) convencida, como eu também o estava, de que um encontro casual era o menos casual em nossas vidas e de que as pessoas que marcam encontros exatos são as mesmas que precisam de papel com linhas para escrever ou aquelas que começam a apertar pela parte de baixo o tubo de pasta dentifrícia."

(O jogo da Amarelinha, Julio Cortázar: Capítulo I. 6 ed. Civilização Brasileira)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

"Há esperas que nunca se aprendem. Mesmo sob o dilúvio, continuaremos aguardando a chuva. É de outra água que esperamos."

(Mia Couto in: Venenos de Deus, remédios do Diabo. Companhia das Letras, 2008. p.140)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013


Até então tudo havia sido um vago anúncio, Alana na música, Alana frente a Rembrandt. Mas agora minha esperança começava a cumprir-se quase insuportavelmente; desde nossa chegada Alana se havia entregado às pinturas com uma atroz inocência de camaleão, passando de um estado a outro sem saber que um espectador escondido espreitava sua atitude, a inclinação de sua cabeça, o movimento de suas mãos ou seus lábios, o cromatismo interior que lhe percorria até mostrá-la outra, ali onde a outra era sempre Alana somando-se a Alana, as cartas aglomerando-se até completar o baralho. A seu lado, avançando pouco a pouco ao longo dos muros da galeria, eu a ia vendo entregar-se a cada pintura, meus olhos multiplicavam um triângulo fulminante que se estendia dela ao quadro e do quadro a mim mesmo para voltar a ela e empreender a mudança, a auréola diferente que a envolvia um momento para ceder depois a uma aura nova, a uma tonalidade que a expunha à verdadeira, à última nudez. Impossível prever até onde se repetiria essa osmose, quantas Alanas me levariam por fim à síntese da qual sairíamos os dois cheios, ela sem sabê-lo e acendendo um novo cigarro antes de pedir-me que a levasse para tomar um trago, eu sabendo que minha longa busca havia chegado a um porto e que meu amor abarcaria a partir de agora o visível e o invisível, aceitaria o limpo olhar de Alana sem incertezas acerca de portas fechadas, de paisagens proibidas.

Orientación de los Gatos - Júlio Cortázar

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ando meio desligada dos sinais que a vida sutilmente costuma dar, mas ontem mesmo distraída vi você num lapso de segundo, apesar de muito rápido tantas coisas me vieram à mente.

E faz tanto tempo que eu me comportei como uma idiota. Homens, minha capacidade de entendê-los é tão limitada, sou disléxica nesse ramo.

E não, não foi um estado agudo de felicidade como provavelmente pensaria Clarice Lispector. Foi como um remédio amargo que você precisa tomar pra cura, mesmo depois que você não sente mais o gosto, a sensação ruim fica lá pra sempre.


Essa música não é pra você.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Pandora observa em seu aquário as coisas flutuando.

A Pandora de ontem não é mais Pandora de hoje.  Mas há algo que sempre fica e qualquer coisa pode fazer vir à tona. Uma música, uma sensação, uma pessoa, uma situação, um livro, uma frase. E...desespero!

Mas tô bem. Final de ano chegando, estou tentando manter um ritmo novo e ele se chama: gastar meu tempo na internet. Não consigo mais ler nada interessante, nem assistir mais os filmes europeus que tanto gosto.

O que será que se passa de um período melancólico para outro?

Dançar flamenco, aprender inglês e espanhol não estão me empolgando mais.

Nada me empolga mais. Acho que tô cansada só isso. Espero que seja só isso.


terça-feira, 6 de agosto de 2013

Os pensamentos que me visitam nas ruas movimentadas


Rostos.
Bilhões de rostos na face da terra.
Dizem que cada um é diferente
dos que já se foram e dos que virão um dia.
Mas a Natureza – quem é que a entende? –
cansada do trabalho que nunca acaba
talvez repita suas ideias antigas
e ponha-nos rostos
já usados outrora.

Pode ser Arquimedes de jeans que passa ao seu lado,
a czarina Catarina com roupa de brechó,
um dos faraós de pasta e óculos.

A viúva de um sapateiro descalço
vinda de uma Varsóvia pequenina ainda,
um mestre da gruta de Altamira
levando as netas para o zoológico,
um Vândalo cabeludo a caminho do museu
para se deliciar com os mestres do passado.

Os que tombaram há duzentos séculos,
há cinco séculos,
há meio século.

Alguém levado em carruagem dourada,
alguém levado em vagão de extermínio.
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor,
suas babás, suas lavadeiras e Semíramis
que só fala inglês.

Bilhões de rostos na face da terra.
Meu, seu, de quem –
você nunca saberá. Talvez a Natureza tenha que ludibriar
para dar conta dos prazos e da demanda
e pesque até o que estava submerso
no espelho da deslembrança.

Wisława Szymborska

terça-feira, 30 de julho de 2013

Aflição de ser eu e não ser outra

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

Hilda Hist

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Mil Perdões

Como cantava João Gilberto "É preciso perdoar" e eu bem sei o quanto! Não quero descrever todos os fatos e as circunstâncias que ocorreram na minha vida pra chegar em tal pensamento. Mas uso a palavra perdão nesse texto em vão de certo modo, pois não consigo praticá-la em minha vida e as pessoas que preciso perdoar dificilmente lerão esse blog onde exponho minhas ideias mais íntimas e os meus sentimentos tão trancafiados.

Primeiro perdoo o meu pai, que me fez e ainda me faz sofrer muito. Não sei se consigo amá-lo separando todas as coisas que fez para a minha mãe e consequentemente para a família. Passei por três separações que não se concretizaram e lutei pela concretização. Eu peço perdão por ainda não saber aceitar a traição, a falta de respeito com a minha mãe e por você gostar mais de sexo do que da família e fingir que é um cordeiro. Eu espero um dia poder te perdoar, não no sentido egoísta de me sentir aliviada, mas porque eu preciso compreender que somos humanos sujeitos a erros originados talvez desse sistema decadente que vivemos.

 Perdoo os meus amigos que o tempo e a distância separaram de mim ou mesmo a negligência. Sou infantil e devo admitir que gosto de atenção, mas ao mesmo tempo não sou capaz de pedir ajuda. Peço desculpas pelo meu afastamento e por não ser totalmente sincera com vocês. A amizade é um bem muito precioso para mim e sinto ciúmes, mas não gosto de possuir nada. Amo todos vocês da maneira que são e isso é o que mais importa, as coisas como elas realmente são.

Perdoo aos dois rapazes que tiveram relações sexuais frustradas comigo. Ao primeiro agradeço por toda a atenção e cuidado, e peço desculpas pelo meu descuidado de não informar que não conhecia o meu corpo e não estava preparada para o meu primeiro ato sexual e te perdoo por ter cortado relações comigo depois de ter ficado magoada por você estar namorando e pouco se importar que eu dividi algo difícil para mim com você.  Ao segundo agradeço por ir direto ao ponto e admitir que só queria transar comigo, por tentar lidar com a situação e não me descartar tão rapidamente da sua vida. Sou grata também por me fazer sofrer ainda mais e descobrir em mim uma mulher que deseja ser amada sem medo, apesar de ainda sentir medo. Talvez você nunca irá saber, mas quando te beijei a primeira coisa que eu pensei foi que nunca mais iria te ter, e estava certa. Te amei naquele momento por mais difícil que seja admitir e ainda te amo mais por saber que você pensou na possibilidade de ser o meu primeiro, ao mesmo tempo que repudiava qualquer pensamento romântico que poderia surgir de mim. Te perdoo por sumir da minha vida sem dizer adeus, por só querer me penetrar e pensar no seu prazer, por se assustar com a mulher que tinha nas mãos. 


Estou aprendendo a perdoar com o Chico Buarque!

 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Sylvia Plath cometeu suicídio depois de verificar que os filhos estariam fora de perigo enquanto dormiam em seus quartos. Foi para a cozinha tomou alguma medicação forte e deitou a cabeça sobre o forno com o gás ligado. Encontraram-na no dia seguinte morta.
Todas as vezes que pensei em me suicidar estava em algum lugar alto, pontes, passarelas, prédios, etc. Infestava na minha mente a curiosidade de saber como meu corpo cairia, ou o que eu sentiria entre o me jogar e chegar ao chão, como uma viagem em um tempo que não coubesse nos relógios.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

"Aqui estava eu, pensei, metido em mais um hotel no outro lado do mundo, sem um rosto amigável por perto. Respirei fundo e recordei novamente o aviso do Wil para me manter alerta, lembrando a mim mesmo que ele falara em procurar as voltas sutis da sincronicidade, aquelas coincidências misteriosas que podiam surgir num segundo e empurrar a nossa vida numa nova direção." (O segredo de Shambhala - James Redfield - p.10)

Acordei com o corpo restabelecido mas com a mente cansada. Olhei para o lado vazio da cama e me veio a adorável sensação de abraçar alguém que se ama, então lembrei que pouco permitir liberar esse amor. Era a segurança dos feridos (enganosa). Aos poucos descubro a importância do amor e que sem ele a vida não faz muito sentido. Tenho me metido em situações doloridas; sim eu não estou satisfeita, estou esperando erradamente alguém para me salvar. Esperar que alguém ou algo te salve é transferir a responsabilidade pelo rumo da tua vida e faço isso o tempo todo. Não adianta culpar meus pais pela minha instabilidade emocional ou egocentrismo do outro nas relações, não adianta eu ser bonita, inteligente ou mesmo interessante se não estou receptiva para compreender o significado do que me rodeia. Quando começo algo novo logo penso no futuro, é um pensamento viciante e talvez motivo de eu largar tudo que inicio. Percebi isso ontem ao entrar em mais uma experiência em busca do conhecimento com outras pessoas, e me imaginei no futuro, mais inteligente, mais lúcida e confiante, mas somente aquele momento era real e deveria dar tudo de mim, talvez essa era a garantia de algum futuro próspero. 
Não compreendo de que forma nós ajudamos uns aos outros, mas há essa coisa maravilhosa em conhecer pessoas e ao se dividir, compartilhar, confessar impressões particulares de ver o mundo tanto se descobre! Algo me foi dito, e o fato de sair de outra mente, que passou por experiências tão diferentes da minha é de certo modo revelador, não tenho uma outra boa palavra, o que me foi dito ficou muito bem gravado e serviu para repensar minha postura diante as possibilidades que a vida apresenta. A frase foi a seguinte: "muitas vezes damos sem querer o pior de nós".  A sensação de ler ou ouvir algo assim é a mesma quando alguém descobre um segredo que você esconde muito bem. Sua fantasia não serve mais. 

Quando me mudei pra Florianópolis, segunda cidade que iria morar em menos de dois anos desde a primeira vez que saí de casa, eu sabia que coisas iriam acontecer na minha vida e esperava o melhor. Mas logo na primeira semana não ocorreu o esperado, na verdade ocorreu exatamente o que eu esperava e isso foi em relação ao trabalho, e esse foi o começo de uma desestabilização emocional. O que eu não sabia e nem podia imaginar, por isso que a vida é tão interessante e faz sofrer, é que entraria em uma crise existencial logo em alguns meses e que choraria muito mais do que eu costumava chorar. As formas que sempre me protegi dos outros utilizando a solidão estavam em colapso. No último ano virei um ser assexuado e de poucos amigos, o que não é nada saudável para uma menina jovem e de corpo perfeitamente usável como o meu para o sexo. Ao me fechar para o sexo, eu me fechei para a vida e isso explicava muita coisa. Não que seja o real motivo, mas era um fator importante. E a minha crise continuou desse ponto e  por mais que olhasse torto, pois faço isso quando nego a verdade que existe em mim, resolvi dar uma atenção para alguns aspectos da psicologia Freudiana. Chamaria isso de encarar o labirinto que existe em meu ser? Estou nele, talvez tenho parado em algum ponto e meditado, buscando alguma resposta dentro ou mesmo algum questionamento para passar alguns meses refletindo. Me sinto presa em uma música da Tori Amos.


Here we go again

Oh these little earthquakes

Doesn't take much to rip us into pieces."
Paciência é uma coisa muito importante e manter uma postura serena é ideal, desde que ela não esconda coisas que lhe magoam. Passei muito tempo negligenciando as coisas que me aconteciam e mostrado uma postura desinteressada quando me feriam, a ausência de comunicação me trouxe sérios problemas. Tenho tentando me libertar dessas formas de  levar uma vida com algumas pequenas mentiras e omissões, a verdade é que não suporto mentiras, mas meu silêncio tem causado alguns danos. Sempre me amarrei as pessoas e continuo fazendo isso, nunca soube dosar muito bem o que deveria falar e em que situação, pois não queria ferir ninguém, mas esse tipo de atitude não é saudável. 
Não lembro qual motivo me levou a procurar o budismo, só recordo que era começo do ano e nessa época estou propensa a procurar coisas que me inspirem levar o ano que está por vir.  Fui em uma palestra com Lama Padma Samten em Garopaba e lá apesar de não conhecer ninguém, me senti muito a vontade e a energia do lugar me deixava tonta.  Aos poucos fui introduzindo algumas leituras e práticas de meditação do budismo. Vieram muitas frustrações, fiquei deprimida, me senti um ser humano muito ruim e apegado. Larguei por um tempo as leituras, fiz várias tentativas para começar a praticar continuamente, mas a coisas são assim, tem seus motivos para acontecerem da maneira que não esperamos. Desde que meu primeiro contato com o budismo em torno de dois anos atrás, eu pouco percebi seus benefícios na minha vida. A maneira como as coisas se delineiam na nossa rotina algumas vezes toma uma forma que não somos capazes de compreender. Tem sido um processo lento que eu preciso aceitar e abrigar.  

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Como um pássaro machucado nas mãos

          Olhou para ele e tentou explicar o que estava acontecendo. Desenhou com a boca a sensação e as palavras saíam.
         - Você já pegou uma pássaro machucado nas mãos?- Ele apenas observou. - Quando volto para casa tenho essa sensação que sou um pássaro machucado nas mãos dos meus pais. E quando se tem algo assim tão frágil e ferido entre as mãos, você evita todos os movimentos bruscos, pois sabe que a dor pode ser aguda e levar a morte.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Viceversa

Tengo miedo de verte
necesidad de verte
esperanza de verte
desazones de verte 

tengo ganas de hallarte
preocupación de hallarte
certidumbre de hallarte
pobres dudas de hallarte 

tengo urgencia de oírte
alegría de oírte
buena suerte de oírte
y temores de oírte 

o sea
resumiendo
estoy jodido
y radiante
quizá más lo primero
que lo segundo
y también
viceversa.

Mario Benedetti

sábado, 6 de julho de 2013

Ode Descontínua e remota para Flauta e Oboé

I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III

A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?


 IV

Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante
Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana

Não essa que te louva
A cada verso
Mas outra
Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.


Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente
E por isso talvez
Te aborreças de mim.

 V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio
Se me amas, podes dizer que não.
Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã.

A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido

E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor

VI

Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás.

VII
 
É lícito me dizeres que Manã tua mulher
virá à minha casa para aprender comigo
minha extensa e difícil dialética lírica
canção e liberdade não se aprendem 

Mas posso encantada se quiseres
deitar-me com o amigo que escolheres
e ensinar a mulher e a ti Dionísio
a eloqüência da boca nos prazeres
e plantar no teu peito prodigiosa
um ciúme venenoso e derradeiro
VIII

Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus

Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres 
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes

Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.

IX

   “Conta-se que havia na China uma mulher 
   belíssima que enlouquecia de amor todos 
   os homens. Mas certa vez caiu nas 
   profundezas de um lago e assustou os peixes.”

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.

X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.

Hilda Hist