terça-feira, 31 de maio de 2011

Cheiro, textura, cor e movimento

Já fiz tudo para chamar atenção. Revirei o báu de lembranças, toquei melodias sem partituras, segurei firme em minhas mãos as sensações que não podiam mais ser tocadas. Quando percebi estava em lugares jamais imaginados que me ensinaram a loucura que é a procura. A ausência me fez buscar tantas coisas que nada a substitui. A ausência me preencheu com música, livros, cartas, vinho, filosofias que não servem pra nada. E pode passar quanto tempo for, enquanto aquele desejo de obter algo que possa ter em mãos ainda persistir nos meus sonhos mais lúcidos, mais queridos, nada fará que eu desista de procurar. E o mais interessante dessas coisas que anseio é o mistério de não obtê-las. Tenho um medo terrível que as coisas que desejo se tornem tangíveis. Uma coisa infantil que existe dentro de mim que sonha alto e por lá quer ficar, nos céus. Essa falta deve servir pra alguma coisa, esse medo de acontecer deve ser algum sinal. Acho que já é hora cumprir a travessia, chegar do outro lado da margem do rio que transborda em mim, sem medo da sua profundidade, da violências das suas águas ou do seu silêncio meditativo. Se expandir como o universo cálido.
Entregar-me as incertezas dos caminhos e ser o que sou. Somente ser.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

"E como é difícil ser expontâneo", repetia para si mesmo. Andava meio atrapalhado por aqueles dias, parecia que tudo que estava estável, quieto e tranqüilo havia se dissipado enquanto observava as pessoas pela janela do ônibus. Pensava: "de repente nos vemos parte do mundo, mas não como participante, mas como observadores, e logo não vejo sentido na vida, não que ela não tenha sentido como muitos afirmam, e sim que ela tem um sentido o qual não estou refletindo, o qual não estou vivendo". Era assim que se sentia naquele momento, fazia as coisas porque tinha que fazer, jurava que fazia o que queria já que tinha livre arbítrio, mas sempre tinha que pensar em uma forma de ganhar dinheiro, credibilidade e confiança.

Olhando por este ângulo não se sentia livre, pois por mais que sua mente já tivesse se desapegado a muitas idéias que nada acrescentavam sua busca pela liberdade, ainda sim a palavra liberdade só tinha um significado bonito no dicionário, pois na vida a liberdade tinha muitas faces. Escolher o que comer, o que vestir, o que falar, como andar, como sorrir, o que escrever, que ônibus pegar, que livro ler, que caminho escolher, em que cadeira sentar, que esporte praticar, que música ouvir, que perfume usar, que pessoas conhecer, que lugares viajar, o que comprar, etc., a infinidade de coisas que compõe o nosso universo pessoal, tudo isso temos livre acesso. Livre acesso? Se pensarmos por um lado temos livre acesso porque todas as coisas que estão no mundo logo pertencem a nós, já que não tem nenhuma lei que diga que não podemos pisar na terra, respirar o ar, sentir o vento, tocar na água, enfim viver a complexidade do nosso sistema. Mas tudo o que foi dito anteriormente não depende do que foi dito posteriormente. Nem tudo que há no mundo nos pertence. Então ai entra a tal da liberdade que eu falei anteriormente ao anteriormente do posteriormente já citado.

O nosso pensador do começo do texto nos diz: " logo quando penso em sentido, penso em liberdade, liberdade é um sentimento, um ato, é algo prazeroso, algo como "não quero fazer isso hoje" e não fazer, mas isso não é o suficiente quando penso na sua significância". Mas procede: "hoje quando estava olhando as coisas ao meu redor pela janela do ônibus, resolvi colocar em prática tudo o que vivia pensando, aliás penso muito e faço pouco, enfim, olhei para o céu explêndido da tarde e o silêncio que emanava daquela imensidão azul foi sendo refletido no meu espírito. Achei muito doida tal situação: imaginei o caos do mundo, a primeira coisa que pensei foi nas crianças passando fome, não gosto de ver crianças sofrendo, acho que não são responsáveis por tudo que lhes acontece, simplesmente não suporto a idéia de vê-las sofrendo, e ao mesmo tempo pensei na paz que havia no céu, as duas realidades vivem se tocando, a vida terrestre tão pertubada e o céu tão sereno. Achei aquela situação incrível e extremamente simples. E por fim minha alma ficou feliz. E decidi tentar me alegrar sempre apesar de todas as coisas que estão para acontecer, que aconteceram ou não aconteceram e acabam por enfraquecer nossa alma, nos deixarmos mais tímidos diante do mundo ou mesmo deprimidos."

Nós temos liberdade para sermos, não é a toa que temos médicos, professores, enfermeiros, geneticistas, programadores de jogos, dançarinos, advogados, padres, freiras, hippies, profissionais do sexo, restauradores, garçons, artistas plásticos, músicos, jogadores de futebol, pedreiros, carpinteiros, cientistas...mas o que nos leva a escolher o que ser, pois este ser...depende de eu não continuar esse texto e tentar conceituar tudo o que escrevo. Pois para escrever deveríamos ter muita liberdade, principalmente a de não sermos coerentes. Coerência é algo que também não pretendo conceituar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Afinidade

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. É o mais independente.


Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido.


Afinidade é não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo para o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial.


Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanecedepois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.


Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.


Afinidade é sentir com, nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.


Sentir com é não ter necessidade de explicaro que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar.


Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.


Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidade vividas.


Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais a expressão do outro sob a forma ampliada do eu individual aprimorado.


Arthur da Távola