quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ensopada


Dançava a colher ao redor do prato de sopa, fria. Seu olhar se perdia por entre as ondas que seu prato quase vazio fazia (ou quase cheio para os otimistas). Sentia arder o peito, mas nada dizia. Colocou as mãos por entre os cabelos embaraçados e baixou a cabeça. Sua lágrimas se misturavam a sopa, sua face aos poucos ia ficando ensopada. Soluçava, tremia; era inércia, a falta de vontade de continuar. Todas a olhavam horrorizados, como se fosse uma epiléptica. Ridicularizavam-na, pouco se importavam se realmente estava bem. Olhavam, apenas olhavam, mas não viam nada, não enxergavam a natureza de tal situação anímica. Era ela, somente ela, sua dores, seus conflitos internos, sua ressaca moral. Ergueu o rosto, lambeu os lábios, sua sopa ainda tinha um bom gosto, misturado a pele morta, lágrimas salgadas, sebo. Era como saborear uma sensação, um momento. Mas não passava de abstração. Fechou os olhos por um lapso segundo, sorriu insanamente, balançou seus cabelos rebeldes. Queria desaparecer sem esforço. Quem era aquela ali? Ainda lúcida, porém corrompida pela loucura. Levantou, foi até o toalhete, lavou toda a arquitetura da sua face, toda a sua identidade, como quem apaga as digitais em um crime. Sim, ela cometia um crime, um crime sem sangue, apenas mágoa. Colocou seu batom carmim, tirou as pílulas de sua pequena bolsa chinesa. Sem se preocupar com seu estômago, engoliu três depressa, passando com dificuldade pela faringe. Disfarçou as olheiras e saiu porta a fora. Era um inverno cálido, típico lá fora. O frio doía-lhe até os ossos. Vestia apenas um casaco surrado e uma camiseta escrito "The Beatles", que comprara no mesmo restaurante em que estivera a pouco segundos. Chovia, chovia muito, um tempo aborrecido, mas a sensação de alma lavada perdurou por algum tempo, e ela pensou o quanto a vida é simples, o quanto o prazer de escutar a chuva, o vento forte lhe fazia feliz. E ela esteve tanto tempo de costas.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

E todos dias são os mesmos

Não importa quanto tempo passe; todos os dias a mesma dor, a mesma falta, o vazio a parte. Resumo em anos-luz. Tudo que sinto agora é passado. Mas em que velocidade estou?

"Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante"

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Dias indiferentes

Tem dias que nada o incomoda. Não importa se seu café está quente ou frio, amargo ou doce. Se as pessoas o ofendem. Tem dias que pensar é demais, que se expor é luxo. É inexplicável ou naturalmente comum. Tem dias que eu prefiro que outros falem por mim.

"Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir os nãos que a vida te enfia goela abaixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar café e continuar." Caio F.